NO MUNDIAL DA SEGURANÇA, BRASIL É O 4º PIOR ENTRE 142 PAÍSES
Pesquisa Gallup revela que sensação de insegurança dos brasileiros só não é maior do que na Venezuela, no Gabão e no Afeganistão
na Carolina Santos vive uma saga para manter o celular a salvo em sua mochila. Em um intervalo de nove meses, a estudante de 22 anos teve o aparelho roubado ou furtado quatro vezes. O primeiro assalto foi em julho de 2017. Numa viagem de ônibus, um garoto enfiou o braço pela janela e deu o bote – arrancou o celular de suas mãos e saiu correndo. Cinco meses depois, o segundo roubo, desta vez na saída de um baile em Madureira, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Passou-se mais um mês e, enquanto a estudante estava distraída num bar com um amigo, lá se foi mais um. Mal dava tempo de esquecer o último aparelho. Na última vez em que foi roubada, em março, logo na rua de casa em Brás de Pina, também na Zona Norte, a estudante ainda pagava as prestações de um dos celulares que perdeu.
A violência urbana levou a estudante de Comunicação a mudar de hábitos. Nos últimos doze meses, ela passou a caminhar pelas ruas a passos cada vez mais rápidos e adotou o costume de, com frequência, voltar os olhos para trás. Se algum homem caminha atrás dela, seu coração acelera. E agora qualquer barulho no ônibus a faz saltar no assento. Em maior ou menor medida, é uma sensação de insegurança que se repete pelo país. Segundo a 2018 Global Law and Order, pesquisa de opinião do Instituto Gallup divulgada no início do mês, o Brasil é o quarto país no mundo em que as pessoas se sentem mais inseguras, entre 142 nações.
A percepção negativa se acentuou nos últimos dois anos. Em 2015, o Brasil nem sequer estava no ranking dos dez países em que há pior sensação de segurança. Em 2016, no entanto, apareceu como o sétimo pior. E em 2017 chegou a quarto país de maior insegurança – apenas 31% dos entrevistados disseram se sentir seguros, mesmo percentual da África do Sul. Nesse ranking, o Brasil fica à frente apenas do Gabão (25% dizem se sentir seguros), do Afeganistão (20%) e da Venezuela, o país com maior sensação de insegurança do mundo, segundo a pesquisa – onde apenas 17% dos entrevistados se dizem seguros.
O Brasil também vem perdendo posições em outro índice medido pelo instituto, chamado “Law and Order”, que considera variáveis como confiança na polícia, sensação de segurança na rua à noite e assaltos nos doze meses anteriores à pesquisa. Uma pontuação é atribuída a cada país a partir das respostas positivas ou negativas às três perguntas. Desde 2014, a pontuação vinha melhorando – tinha 52 pontos naquele ano. Em 2015, subiu para 57, e, em 2016 foi a 65. Em 2017, porém, o Brasil caiu pela primeira vez e passou a 63 pontos nesse índice.
Para a cientista política Ilona Szabó, cofundadora e diretora executiva do Instituto Igarapé, a razão da insegurança do brasileiro é justamente o alto número de crimes contra a vida no Brasil. “Ou seja, não é um medo que surge do nada”, disse. E a instabilidade política contribui para o mau desempenho. “Não é o único fator, mas eu diria que a crise política é a mãe das crises”, explicou. “Mesmo diante de uma crise econômica, a situação seria outra se o país tivesse um plano de atuação consolidado no campo da segurança pública.”
De acordo com os dados coletados pela campanha Instinto de Vida, realizada em 2017 pelo Instituto Igarapé, a cada quatro pessoas assassinadas no mundo, uma é brasileira, colombiana ou venezuelana. E 38% dos assassinatos no planeta ocorrem na América Latina, uma região que concentra 8% da população mundial.
Desde 2015, as posições de melhor e pior colocado na pesquisa não mudam. Singapura permanece como país mais seguro tanto no item específico sobre sensação de segurança (94% se dizem seguros), como no ranking de “Law and Order” (soma 97 pontos). País de pior sensação de segurança no mundo, a Venezuela tem o pior desempenho também no “Law and Order”. No último ano, 42% dos venezuelanos afirmaram terem sidos roubados, um dado que apenas três outros países superam – Afeganistão (46%), Uganda (49%) e Sudão do Sul (50%).
Em relação à confiança na polícia, o grupo do qual o Brasil faz parte na pesquisa Gallup (países da América Latina e do Caribe) aparece na pior posição global – nessas nações, a média é de 42% de confiança nos agentes de segurança. Já nos Estados Unidos e no Canadá chegam a quase o dobro, com 82% de confiança na polícia local. A média no mundo todo, entre os 142 países pesquisados, é de 69% de confiança em policiais.
Ana Carolina Santos se identifica com a baixa confiança na polícia retratada nos países latino-americanos e caribenhos. Questionada sobre a confiança na Polícia Militar do Rio de Janeiro, a jovem frisa bem a resposta negativa: “Definitivamente não.” E confessa seu medo. “Não por mim, porque sou mulher e não moro na favela. Mas tenho medo do que eles [policiais] podem fazer com homens negros e/ou moradores de favela.”
Em relação ao dado, Szabó disse à piauí que a população que pede e chega a exaltar o uso excessivo da força pela PM, é a mesma que não se sente segura ou não confia na corporação. “Quando a polícia é legitimada ou até incitada, digamos assim, a fazer o uso excessivo da força ou a realizar execuções extrajudiciais, pagamos todos”, disse.
Não só na vida de Ana Carolina Santos, mas em todo o estado do Rio, os assaltos bateram recorde histórico em 2017. Foram registrados 230.450 roubos, média de um caso a cada dois minutos – a maior quantidade desde que o Instituto de Segurança Pública começou a contagem de incidências criminais, em 1991. Em relação ao ano anterior, os roubos tiveram um aumento de 10%. De acordo com o aplicativo Onde Fui Roubado, o Rio é a cidade com mais registros no Brasil.
Sem saber como se afastar do mau agouro, a estudante de Comunicação não teve outra opção a não ser modificar alguns costumes – inclusive os de lazer. “Quase não ouço mais música na rua”, lamentou Santos. “Eu sou viciada em música e senti muita falta da companhia dela enquanto estive sem celular, mas desde que comprei outro, não voltei a esse hábito. Saio de casa sem fone e nem percebo mais.” O atual celular foi comprado este mês, no primeiro dia da Copa. Para isso, usou os 800 reais do seguro de um dos aparelhos que lhe foram roubados. É o tipo de contrato que ela não se sente mais segura de abrir mão. “Imagina continuar pagando as prestações de um celular que você nem possui mais?”, questionou.
Por YASMIN SANTOS
Post Original: Revista Piauí